Falar de liderança é algo ao mesmo tempo fácil e difícil. Fácil porque há um sem número de teorias disponíveis, e difícil porque nenhuma delas responde à questão. Então, tratar de liderança, é tarefa que nos expõe a riscos e, de pronto, vou corrê-los; sabendo que não serei o primeiro, muito menos o último a fazê-lo.
Atrevo-me dizer que liderança tem muito a ver com pureza de propósitos. Algo muito similar aos sentimentos que as crianças têm em relação umas às outras. A criança fala com a outra e encontra soluções para seu mundo de significados. Ela vê a outra criança como um igual em todos os sentidos. Somente a absorção de crenças e valores do mundo adulto dará a ela modelos diferenciais de classe, credo, raça, certo, errado, etc.
Essa relação – inevitável - com o mundo adulto produz o elenco de preconceitos que carregamos pela vida afora. Alguns serão permanentes, não nos abandonarão; outros sucumbirão, porque inconsistentes ou porque evoluímos como seres humanos e nos deparamos com sua insensatez. Entretanto, o certo é que esses preconceitos irão influenciar nossas relações com as pessoas e grupos. Mas isso é tema para teses sociológicas e psicológicas. Só chamo a atenção para isso, como forma de instigar a compreensão.
Fiz esse preâmbulo para dizer que as relações inter-pessoais no dia a dia das organizações estão muito comprometidas. Warren Bennis , um dos gurus da Liderança, diz que “Administradores são pessoas que fazem as coisas de forma certa e líderes são aqueles que fazem a coisa certa”, (os grifos são meus). O mesmo Bennis fala muito em poder; não o poder no sentido de dominação (esse é um sentido fraudulento do termo), mas no sentido de força geradora que transforma as coisas, que conduz à ação.
Além disso, ele ressalta a importância das pessoas se relacionarem, quando tanto o líder quanto o liderado despertam o que há de melhor um no outro. Isso denota que eles devem transacionar entre si; e aqui transação tem o sentido de negociação. Ele constata também, que o foco das organizações está em administrar as coisas e não questioná-las; o comentário dele é vital para entender-se a questão: “O problema de muitas organizações... é que elas tendem a ser administradas demais e sub lideradas. Podem se sobressair na capacidade de tratar a rotina diária, porém jamais questionam se a rotina deveria ser seguida”.
Uma organização que estimule o questionamento do que é feito é uma organização viva. Está sempre vivendo o conflito: das ideias em uso com as novas ideias. Por isso mesmo tendem a inovar as coisas, criar novos produtos, satisfazer os clientes, etc; são as organizações do futuro. Esta prática exige uma postura de liderança muito diversa da tradicional; exige líderes participativos que estimulem pessoas e que deem poder para que elas possam agir.
Isso é exemplificado por “cases” administrativos de sucesso: nos anos 80 Lee Iacocca assumiu o controle de uma Chrysler em vias de falir. Ele tinha altos propósitos e necessitava de gente com a mesma visão. Com o próprio efetivo da companhia, formou um grupo de gente que “comprou” sua idéia. Iacocca permitiu que repensassem as coisas e encontrassem novas formas de fazê-las; em suma, deu-lhes poder para agir. O resultado é que a Chrysler obteve lucros e prosperou naqueles anos em que a indústria automobilística japonesa arrasava seus concorrentes nos Estados Unidos.
A formula de Iacocca não é nova; mas, no contexto das organizações, ela é percebida como muito arrojada e “perigosa”. Perigosa porque considera a partilha do poder de comandar e permite construir o novo, e o novo sempre assusta. Além disso, nossos dirigentes temem perder o poder; e aqui o sentido de poder se transmuta em sua pior faceta.
Os anos 80 passaram, o muro de Berlin caiu, a economia selou as práticas da globalização definitiva e a liderança continua sendo o “elo perdido” das organizações. Parece que casos isolados sempre teimam em repetir-se e a demonstrar que o meio de superação foi envolver as pessoas. Mas, a maioria das organizações julga-se acima dessas possibilidades, creem demasiadamente em seus modelos e na rede de proteção de monopólios e ações do Estado. Basta uma crise sistêmica qualquer para buscarem respostas desesperadamente. O pior é que não aprendem com as dores vividas e viciam-se em remédios de momento. Entenda-se por isso as panaceias que surgem de tempos em tempos propugnando solucionar e vencer crises.
Muitos consultores percebem a oportunidade e ganham muito dinheiro nesses momentos; e as organizações seguem, crendo que fizeram o que havia a ser feito. Tempos depois, tudo se repete e elas não sabem o que fazer, e com isso o ciclo se repete “ad absurdum”. Em verdade não têm liderança. Apenas administram as crises, não aprendem com elas.
O grande papel da liderança é, portanto, provocar as pessoas. Provocar sua capacidade criativa e de comprometimento. Quando fazemos parte de um grupo, queremos realizar coisas notáveis, queremos produzir algo que muitos se beneficiem, queremos ser ouvidos para externar o que pensamos. Um líder competente percebe que as pessoas são assim e sabe tornar essa energia algo renovador e produtor de resultados. O líder eficaz sabe como envolver as pessoas e não as manipula. Ele partilha o poder, até porque o seu poder emana delas; o que, aliás, é um princípio básico de convivência democrática. O líder com esse tipo de visão (que é estratégica), vê o futuro e está pronto para ele. Ou, em outra hipótese factível, sob o olhar de Lao Tsé: “O melhor de todos os líderes é o aquele ajuda seus seguidores para que eles não precisem mais dele”.
Agora, imagine por um breve momento que todas as pessoas que estão e vão ao Oriente Médio negociar a paz estivessem despidas de seus preconceitos; é difícil imaginar, mas tente! Imagine que elas têm seus sentimentos de criança recuperados naquele momento. É difícil imaginar, eu sei; mas insista! Não custa tentar!
Imagine que todos os sentimentos recalcados dos adultos deixem de existir por um breve momento, que as crenças radicais desapareçam pelo tempo suficiente que lhes permita conversar e “brincar” a vida.
Será que eles irão matar-se uns aos outros? Não creio e, se você entrar nesse exercício de pensar o improvável, também não irá crer. John Lennon acreditava nisso e compôs um hino à paz chamado “Imagine”, onde dizia “Eu sei que sou um sonhador, mas não sou o único”.
Resumindo, essa é a matéria prima básica: sonhar e imaginar que é possível. Fazer acontecer é uma questão de querer e somar desejos, vontades e aliados (gente). Estou certo que é mais fácil tornar nossas empresas efetivas do que solucionar as grandes chagas da humanidade. Mas se iniciarmos pelas organizações, em breve teremos tempo para nos dedicar a obras mais elevadas. Ou não?
*Warren Bennis e Burt Nanus – Líderes – Estratégias para assumir a verdadeira liderança. Editora Harbra – 1988.
Sérgio Compagnoli