O efeito sombra

Transgredir e quebrar algumas regras podem ser uma das trilhas para o avanço em muitas áreas, mas no mundo corporativo a inovação precisa acontecer dentro dos limites da legalidade.

Deepak Chopra, Nilton Bonder e alguns outros talentosos autores já exploraram com riqueza de detalhes os aspectos positivos de se encarar e aprender a lidar com o lado sombrio da psique humana. No mundo corporativo, os códigos de conduta não alcançam as considerações filosóficas e espiritualistas na mesma proporção. O não cumprimento das regras, principalmente legais e regulatórias, implica em prejuízo de imagem e de receita e podem fazer desaparecer em pouco tempo organizações que levaram décadas para serem construídas. Reputação e ética são atributos importantes tanto para a pessoa física quanto jurídica. No caso do mundo corporativo, para acompanhar o cumprimento de uma empresa às questões legais e o rigoroso respeito às regras fiscais, regulatórias, ambientais e outras criou-se o Compliance.

Não nos faltam exemplos sobre o poder devastador da revelação de fraudes e práticas ilícitas na vida de uma organização. Enron, Arthur Andersen, Siemens, Volkswagen, Petrobrás, Odebrecht e tantas outras. De punições jurídicas à mancha na imagem e queda vertiginosa em valor das ações. A lista de consequências pode ser longa e trazer complicações insuperáveis. Devido à adoção de práticas “incorretas” por parte dos executivos, muitas empresas robustas amargaram desvalorização brutal nas bolsas de valores, além de serem condenadas na justiça e pela opinião pública.

No Brasil, esse descortinar do lado sombrio de muitas organizações está forçando uma reconfiguração de setores que, por décadas, não permitiam que novos empreendedores disputassem a fatia mais interessante do mercado, concentrando a maior parte do “share” nas mãos de meia dúzia de companhias que se intercalavam nas conquistas dos contratos. O acordo de cavalheiros agora está cobrando a conta. E não sabemos se ela poderá ser paga ou a que custo efetivo
Contrariar o Compliance envolve muitas nuances. Além da recuperação de imagem, prisão de executivos e acionistas e pagamento de multas, há um árduo trabalho na reversão comercial e financeira. Considerando o quanto tem sido difícil nos últimos tempos para as empresas percebidas como sérias se manter estável e com o caixa operando, imaginemos aquelas que mergulharam no caos da ilegalidade.

A cegueira que muitas vezes acompanha o poder e a certeza da impunidade que lamentavelmente imperou no Brasil impediu uma análise mais complexa em sua essência, mas óbvia do ponto de vista comportamental: a de que a sociedade mudou. E muito rapidamente, o mundo não tem mais fronteiras de conhecimento, nem de informação. As novas gerações respondem em tempo real aos estímulos, para o bem e para o mal. Com a informação circulando o julgamento social também acontece de imediato. A má conduta não fica mais escondida por muito tempo.

Com um preço tão alto a ser pago, não temos como não refletir profundamente sobre valores, cultura e no alinhamento dos mesmos à escolha de quem vamos convidar para entrar em nossa casa. Acionistas, gestores, empreendedores e headhuntersvivem uma onda ainda mais severa do que já era – ou deveria ser – na hora de selecionar um executivo. O espelho também acontece para o outro lado. Alguns executivos também estão mais criteriosos diante de novas oportunidades e na escolha de que camisa institucional vestir.

Acredito que essa checagem mútua tem ainda um bom espaço para evoluir. Do lado corporativo, o entendimento do que significa Compliance precisa avançar do medo para a naturalidade. Ser ético e cumprir a lei não deve ser diferencial e sim o padrão. Os executivos, por sua vez, precisam vencer o constrangimento de aprofundar a análise e questionar a reputação de seus futuros empregadores. E isso pode e deve ser feito através de vários canais, inclusive através dos headhunters. Vale entender que não só os negócios sob seu comando precisam ter sustentabilidade, mas suas carreiras também.

Rodrigo Forte, sócio-diretor da EXEC

 


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