Novos paradigmas em hipnose

A Hipnose
No século XIX, Dr. Braid ao pesquisar o procedimento de transe denominou-a Hipnose. O nome foi escolhido advém de Hypnos – deus grego do sono devido à semelhança do estado de transe com o estado de sonolência.

Ao ouvimos falar de Hipnose pensa-se em espetáculos onde pessoas poderosas controlam a mente de outras.

Para a APA (American Psycological Association) a Hipnose é:
“A Hipnose é um procedimento durante o qual o pesquisador ou profissional de saúde sugere que um cliente, paciente ou qualquer indivíduo experimente mudanças de sensações , percepções, pensamentos ou comportamentos. O contexto de hipnótico é geralmente estabelecido por um procedimento de indução.”…”A Hipnose não é um tipo de terapia, como a psicanálise, ou a terapia comportamental. Mas é um procedimento que pode ser usado para facilitar a terapia.”Irving Kirsh – Contemporary Hypnosis – 1994 – vol. 11 – pg. 142 –162

Portanto a Hipnose não é uma forma de fazer psicoterapia e sim uma ferramenta que usada de forma correta facilita os processos de mudanças na psicoterapia. É uma ferramenta que ajuda a aflorar conteúdos inconscientes e estabelecer recursos. É um estado alternativo de consciência onde o indivíduo sente ou experimenta mudanças de sensações, percepções, pensamentos ou comportamentos.

O Erro de Freud

“O hipnotizador constitui o único objeto e não se presta atenção a mais ninguém que não seja ele. O fato de o ego experimentar, de maneira semelhante à do sonho, tudo que o hipnotizador possa pedir ou afirmar, relembra-nos que nos esquecemos de mencionar entre as funções de ideal do ego a tarefa de verificar a realidade das coisas. Não admira que o ego tome uma percepção por real, se a realidade dela é corroborada pela instância mental que ordinariamente desempenha o dever de testar a realidade das coisas. A completa ausência de impulsos que se acham inibidos em seus objetivos sexuais contribui ainda mais para a pureza extrema dos fenômenos. A relação hipnótica é a devoção ilimitada de alguém enamorado, mas excluída a satisfação sexual, ao passo que no caso real de estar amando esta espécie de satisfação é apenas temporariamente refreada e permanece em segundo plano, como um possível objeto para alguma ocasião posterior.”
Sigmund Freud – Obras Completas – Vol. XVIII – Pág. 144 e 145

No princípio do século passado, a psicanálise contribuiu para que a hipnose fosse colocada em segundo plano na prática clínica. Hoje, ela tem um reconhecimento, e se aceita a idéia de que o transe hipnótico é uma ferramenta fantástica para manejar os estados de consciência e seus conteúdos. Existe um número crescente de psicanalistas associado à hipnose a pratica clinica.

Um dos argumentos mais fortes contra a hipnose, especialmente entre os praticantes de uma psicanálise clássica, é a autoridade de Freud que declarou tê-la abandonado por volta de 1896 e, segundo afirmou, não ter mais voltado a ela, a não ser para alguns experimentos.

Ao fim do século XIX, a psicanálise sob a influência de Bernheim, a hipnose foi erroneamente interpretada e confundida com o conceito de sugestão. Sendo que a ideia de uma pratica que se utiliza de sugestões pós hipnóticas iria na contramão do método psicanalítico. Até hoje a maioria dos psicanalistas mal informados sobre a ferramenta hipnose, acredita na ideia de que a sugestão pós-hipnótica é a única ferramenta da hipnose.

Freud usava a hipnose junto com os comandos sugestivos e autoritários de eliminação dos sintomas. Utilizava uma Hipnose Clássica. Sem exercer a hipnose na prática clínica desde 1896, Freud se distanciou dos progressos feitos pela hipnose, sendo que muitos deles advindos da própria psicanálise.

“Não se pode sobrestimar, facilmente, a importância do hipnotismo para a história da origem da psicanálise. Tanto do ponto de vista teórico quanto do terapêutico, a psicanálise administra uma herança que ela assumiu do hipnotismo” (Breve Ementa de Psicanálise [1923] GW XIII 407/08 – SE XIX 192).

A hipnose atual prossegue os estudos a partir de onde Freud os deixou. O fato de Freud ter abandado a hipnose em sua clínica pessoal, não elimina as virtudes da hipnose. O “inconsciente”, a partir dos estudos de Freud com hipnose e dos fenômenos hipnóticos, tornou-se algo real, tangível e objeto da experiência.

A Hipnose Ericksoniana

Foi com Milton Erickson, psiquiatra norte-americano, que a hipnose ressurgiu da obscuridade. Erickson era um grande conhecedor de psicanálise e teve o contacto com profissionais de peso, como Lawrence Kubie. Milton Erickson, seja pela sua vida pessoal, ou pelo fato de ter nascido e criado num país de amplidão territorial, da liberdade política e da iniciativa de cada indivíduo, tinha muito mais condição de entender que a Hipnose era um tesouro. Freud nasceu e viveu em um momento onde a filosofia escolástica reinada, isto é, responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja. Não havia a abertura suficiente para entendimento de novas idéias como a hipnose. Erickson viveu em uma época posterior a Freud, quando já podia usufruir de algumas das conquistas psicanalíticas e filosóficas diferenciadas.

A Hipnose Ericksoniana ao contrário da Hipnose Clássica, utilizava o transe de forma diferenciada para cada pessoa, isto é, “feito sob medida”. Erickson partia do principio da Utilização, usava os problema e os recursos da pessoa para fazer um processo formal de transe. Utilizava de linguagem fácil para acessar o cliente, através de sugestões indiretas ou mesmo diretas na construção de um transe hipnótico maleável e natural.

Erickson acreditava que a hipnose era uma forma especial de relacionamento. A hipnose naturalista foi uma saída histórica das armadilhas que as sugestões diretas impuseram. Usavam de paradoxos, metáforas, sintomas e comportamentos apresentados pelo cliente para prende-lhes a atenção. Mas no coração do trabalho de Erickson se encontra uma estrutura diagnóstica que incluem conhecimento da teoria dos sistemas e das teorias de comunicação. Sua abordagem se originou na consciência de que as pessoas manejam mapas internos. O que Erickson fazia com a Hipnose é o que ele chamou de Resposta Emocional Corretiva que consiste em uma adaptação flexível do Mapa de Mundo permitindo que o empobrecimento causado pelo sintoma se transforme e uma compreensão adaptativa da vida. Diante destes conceitos percebe-se que Erickson fazia muito do que a utilização e o uso de metáforas, e sim uma correção do mapa através destas intervenções.

Posterior a Erickson, surge vários teóricos da Hipnose Naturalista com Robles que tenta uma visão da hipnose ligada à neurociência: “a Hipnose é uma linguagem especial onde se desenvolve um estado de melhor comunicação entre os dois hemisférios cerebrais” (Robles, 2003). Ela introduz de forma mais pesada a utilização de metáforas e símbolos onde seria possível explorar blocos de realidade no cérebro direito para traduzi-los ao esquerdo. Desde então o emprego de metáforas vem sendo bastante difundido nas escolas de psicoterapias como uma ponte de comunicação.

Yapco e outros pensadores introduzem um conceito novo, à reeducação emocional pela hipnose. Acredita que na prática clínica, a Hipnose pode ser usada para ensinar novas habilidades, amplificar os recursos existentes ainda latentes, associar as pessoas a novas idéias e perspectivas e para outras aplicações semelhantes no “mundo real”. Construir e ajustar habilidades são amplificações de pensamentos reais, sentimentos, percepções e comportamentos que afetam diretamente o funcionamento do cliente.

A Hipnose Ericksoniana e a Armadilha das Metáforas

Erickson desde o inicio do seu trabalho utilizava-se de metáforas o que fazia com muita perfeição, mais tarde Zeig associou o trabalho com metáforas com tarefas terapêuticas, Teresa Robles fez o emprego destas através de metáforas simbólicas o que vem sendo bastante difundido nas escolas de psicoterapias que utilizam hipnose.

O grande problema ou armadilha é que alguns conceitos importantes de Erickson, como, a Resposta Emocional Corretiva, o Mapa de Mundo, entre outros são esquecidos ou não estão sendo ensinados ou mesmo mencionados. O que deixa uma grande pergunta: Estamos formando terapeutas ou contadores de estórias?

A grande maioria dos novos terapeutas que praticam hipnose faz apenas uso de metáforas ou tarefas simbólicas acreditando que isto seria suficiente para proporcionar as mudanças terapêuticas necessárias. Caímos de novo em um velho modelo, do qual utiliza a psicanálise, gestalt e outras escolas terapêuticas, isto é: ACERTO E ERRO.

Milton Erickson era um grande conhecedor de psicanálise, teoria dos sistemas e das teorias de comunicação. Mesmo quando usava de metáforas o fazia mudando as associações dos clientes, trabalhando a causa, fazendo o que ele chamava de reposta emocional corretiva.

As pessoas que hoje utilizam da ferramenta hipnose em processos terapêuticos deveriam ler um pouco do trabalho de Erickson, Haley, Yapco, Lankton, Giligan, entre outros, com isto aprendendo conceitos novos como mapa de mundo, controle de habilidades, apadrinhamento, terapia de self. E perceber que dentro da abordagem naturalista existem novas e velhas idéias.

A Hipnose Estratégica um nova saída

Nos meus estudos sobre Milton Erickson deparei-me com um Erickson Estratégico que acreditava que as pessoas a partir da sua experiência de vida criavam mapas internos que serviam para reassociar as experiências. Sendo que estes mapas funcionavam de forma tão automatizada que se tornaram inconscientes, permitindo que as percepções ou experiências ligadas a ele se automatizem. Uma vez inconsciente estes mapas raramente são atualizados. Os sintomas se fazem a partir de uma escolha do cliente entre as opções inconscientemente determinadas pelo o seu mapa.

“O desenvolvimento dos sintomas neuróticos constitui um comportamento de caráter defensivo e protetor. Por ser um processo inconsciente, é assim excluído da compreensão consciente, é cego e trôpego por natureza e não serve de forma útil aos objetivos da personalidade.” Erickson (CP I, pg. 298).

Erickson ensinava aos clientes partindo do mapa a descobrir os recursos que necessitavam para mudar seu envolvimento com o mundo, fugindo ao modelo médico, de descobrir os conflitos para resolver o sintoma. Ele dava uma sacudidela nos efeitos criados por uma relação negativa criando com isto o que chamou de Resposta Emocional Corretiva.

A partir destas ideias deste Erickson Estratégico fui criando aquilo que nomeie mais tarde de Hipnose Estratégica. É uma prática extremamente útil para a aplicação da hipnose. A partir das idéias de Erickson, do estudo de Psicodrama e Terapia Sistêmica me deparei com procedimentos terapêuticos interessantes, pois antes de qualquer intervenção terapêutica estas técnicas eram precedidas de técnicas avaliativas e mapeamento do sintoma, depois se formulava as hipóteses e os procedimentos terapêuticos. Adaptei estas técnicas para a sua utilização com procedimentos hipnóticos.

Ela se baseia na Hipnose Naturalista de Milton Erickson, na Teoria dos Sistemas e em alguns conceitos da Análise Transacional, Psicanálise e Psicodrama. São formas de utilizar as ferramentas hipnóticas propiciando redefinições pessoais, renegociações, redecisões, novos códigos e adaptações ao Mapa de Mundo.

A Hipnose Estratégica é uma aproximação eficiente e desencadeadora de mudanças e soluções. É considerada uma aproximação estratégica, pois a partir de passos formulados previamente, intervém-se de forma deliberada na solução da sintomatologia dos clientes:

Técnicas de Ancoragem – criam um espaço potencial, de segurança, de empatia para trabalhar os conteúdos do cliente de forma mais suave.

Técnicas Avaliativas – objetivam pesquisar as verdadeiras origens do problema, meta ou sintoma apresentado. Leva-se em conta o passado buscando cenas nucleares, promessas, injunções, traumas, ou seja, a natureza sistêmica da manutenção do problema e formas de intervir, proporcionando novas soluções e recursos a utilizar.

Mapa de Mundo – através das informações colhidas nas Técnicas Avaliativas é possível montar o Mapa Interno do cliente e formular as Técnicas Elaborativas.

Técnicas Elaborativas – a partir das informações levantadas, trabalham-se as verdadeiras causas que mantém o problema. Intervém-se nas cenas do passado provocam-se renegociações, redecisões, fazem-se intervenções deliberadas no sistema e finalmente produz as mudanças de associações.

A Hipnose Estratégica adota induções hipnóticas com a finalidade de examinar a situação problema, sua co-evolução e sua resolução, assim como as alianças e coalizões que o sistema estabeleceu em torno dele.

A Hipnose Estratégica se diferencia da abordagem Naturalista pela introdução de procedimentos como: os critérios diagnósticos, processos formais de indução do transe e eliciação. Busca-se através do Diagnóstico Estratégico e das Técnicas Avaliativas intervenções eficientes e desencadeadoras de mudanças e soluções alcançadas com ajuda das Técnicas Elaborativas.

A Hipnose Estratégica é mais que uma nova abordagem utilizando hipnose. Ela vem se tornando uma nova abordagem de psicoterapia breve. A Hipnose Estratégica possibilita o uso da hipnose sem ensaio e erro, onde os passos são formulados estrategicamente possibilitando um trabalho terapêutico efetivo.

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