Hipnose e o amor

CASAMENTO
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
Mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto;
Ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
Ë tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
De vez em quando os cotovelos se esbarram,

Ele fala coisas como, este foi difícil,
Prateou no ar dando rabanadas
E faz gesto com as mãos.
O silêncio de quando nos vimos pela primeira vez
Atravessa a cozinha como um rio profundo
Por fim , os peixes na travessa, vamos dormir
Coisas prateadas espocam
Somos noivo e noiva.
Adélia Prado

Ao falar de Hipnose e Amor se faz necessário definir o que é Hipnose.

No século XIX, Dr. Braid ao pesquisar o procedimento de transe denominou-a Hipnose. O nome foi escolhido advém de Hypnos – deus grego do sono devido à semelhança do estado de transe com o estado de sonolência.

Ao ouvimos falar de Hipnose pensa-se em espetáculos onde pessoas poderosas controlam a mente de outras. Os profissionais de Hipnose são constantemente solicitados a responder sobre a natureza e funções clínicas da Hipnose.

Para a APA (American Psycological Association) a Hipnose é:
“A Hipnose é um procedimento durante o qual o pesquisador ou profissional de saúde sugere que um cliente, paciente ou qualquer indivíduo experimente mudanças de sensações , percepções, pensamentos ou comportamentos. O contexto de hipnótico é geralmente estabelecido por um procedimento de indução.”…”A Hipnose não é um tipo de terapia, como a psicanálise, ou a terapia comportamental. Mas é um procedimento que pode ser usado para facilitar a terapia.”
Irving Kirsh – Contemporary Hypnosis – 1994 – vol. 11 – pg. 142 –162

Portanto a Hipnose não é uma forma de fazer psicoterapia e sim uma ferramenta que usada de forma correta facilita os processos de mudanças na psicoterapia. É uma ferramenta que ajuda a aflorar conteúdos inconscientes e estabelecer recursos. É um estado alternativo de consciência onde o indivíduo sente ou experimenta mudanças de sensações, percepções, pensamentos ou comportamentos.

Freud no texto de 1923 , Estar Amando e Hipnose, definiu Hipnose como:
O hipnotizador constitui o único objeto e não se presta atenção a mais ninguém que não seja ele. O fato de o ego experimentar, de maneira semelhante à do sonho, tudo que o hipnotizador possa pedir ou afirmar, relembra-nos que nos esquecemos de mencionar entre as funções de ideal do ego a tarefa de verificar a realidade das coisas. Não admira que o ego tome uma percepção por real, se a realidade dela é corroborada pela instância mental que ordinariamente desempenha o dever de testar a realidade das coisas. A completa ausência de impulsos que se acham inibidos em seus objetivos sexuais contribui ainda mais para a pureza extrema dos fenômenos. A relação hipnótica é a devoção ilimitada de alguém enamorado, mas excluída a satisfação sexual, ao passo que no caso real de estar amando esta espécie de satisfação é apenas temporariamente refreada e permanece em segundo plano, como um possível objeto para alguma ocasião posterior.

Sigmund Freud – Obras Completas – Vol. XVIII – Pág. 144 e 145

O AMOR

A Psicanálise é na essência uma cura através do amor
– Sigmund Freud, numa carta para Carl Jung

Falar de amor é falar de numerosos tipos de relações emocionais que agrupamos teoricamente como amor. Mas o que seria esse amor? Um amor real, verdadeiro, genuíno, ou toda uma gama de possibilidades no âmbito dos fenômenos do amor.

Estar amando pode ser entendido como uma catexia de objeto por parte dos instintos sexuais com vistas a uma satisfação diretamente sexual, catexia que se expira quando se alcança este objetivo: é o que se chama de amor sensual comum.

Pensando sob o ponto de vista da evolução do indivíduo o amor, a criança com cinco anos de idade, descobre o primeiro objeto de amor que é um ou outro dos pais, e todos os seus instintos sexuais se unificam nesse objeto. O recalcamento então se estabelece, compele-a a renunciar à maior parte desses objetivos sexuais infantis e deixa atrás de si uma profunda modificação em sua relação com os pais. As emoções que passam a serem sentidas por esses objetos de seu amor são caracterizadas como ‘afetuosas. Na puberdade, como sabemos, estabelecem-se impulsos novos e muito fortes, dirigidos a objetivos diretamente sexuais.

O amor também poderá ser avaliado sob a ótica da Idealização, pois quando estamos amando, uma quantidade considerável de libido narcisista transborda para o objeto. Algumas escolhas amorosas, o objeto de amor serve como um complemento inatingível do nosso ideal do ego.

Ideal de Ego: Instância da personalidade resultante da convergência do Narcisismo (idealização do ego) e das identificações com os pais e com ideais coletivos. Enquanto instância diferenciada, o ideal do ego constitui um modelo que o indivíduo procura conformar-se (Laplanche, 1967) . Nos casos de narcisismo patológico, o Ego é substituído pelo Ideal de Ego que está deformado. – Laplanche, 1967

Depois Freud Compara o Amor a Hipnose, onde o estar amando se assemelha à hipnose. Para ele existe um sujeição humilde para com o objeto amado, provocando uma inibição da iniciativa própria do sujeito; o hipnotizador se coloca no lugar do ideal do ego. Na Hipnose tudo se torna mais claro e mais intenso , de maneira que seria mais apropriado explicar o estado de estar amando por meio da hipnose, que fazer o contrário. O hipnotizador constitui o único objeto e em transe não se presta atenção a mais ninguém que não ser ele.

O ego experimenta uma realidade semelhante à do sonho, tudo que o hipnotizador possa pedir ou afirmar, relembra-nos que nos esquecemos de mencionar entre as funções de ideal do ego a tarefa de verificar a realidade das coisas. Não admira que o ego tome uma percepção por real, se a realidade dela é corroborada pela instância mental que ordinariamente desempenha o dever de testar a realidade das coisas.

A completa ausência de impulsos que se acham inibidos em seus objetivos sexuais contribui ainda mais para a pureza extrema dos fenômenos. A relação hipnótica é a devoção ilimitada de alguém enamorado, mas excluída a satisfação sexual, ao passo que no caso real de estar amando esta espécie de satisfação é apenas temporariamente refreada e permanece em segundo plano, como um possível objeto para alguma ocasião posterior.

O AMOR ERICSONIANO

O amor é uma forma produtiva de relacionar com os outros e consigo mesmo. Implica em responsabilidade, cuidado, respeito e conhecimento, e o desejo que a outra pessoa cresça e se desenvolva. É a expressão da intimidade entre dois seres humanos, sob a condição da preservação da integridade de cada um.
– Erich Fromm, 1947, p.51

O amor é um dos temas mais utilizados por Stephen Giligan em Coragem de Amar. Ele diz que na vida não podemos evitar experiências como medo, alegria, mágoas, raiva, tristeza, inveja, entre outras. Existem pessoas que passam a vida fugindo, amaldiçoando estes sentimentos ou experiências. Aceita-las e trabalha-las é condição essencial de uma boa saúde mental e é o que ele denomina de amor.

O amor como uma coragem e habilidade proporciona o apadrinhamento. A partir da teoria da Psicoterapia de Relações do Self, Gilligan ressalta como premissas básicas o Apadrinhamento, isto é, a atenção integral e amorosa do terapeuta, que proporciona ao cliente entrar em contato com o seu self verdadeiro, promovendo a humanização e um processo natural de mudança. Winnicott introduz um conceito parecido quando fala da mãe suficientemente boa.

A mãe suficientemente boa, como afirmei, começa com uma adaptação quase completa as necessidades de seu bebê, e, à medida que o tempo passa, adapta cada vez menos completamente, de modo gradativo, segundo a crescente capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela. (WINNICOTT, 1975)

As habilidades naturais de Apadrinhamento permitem que normalmente ocorram os processos naturais de mudanças. Para isto é necessário o treino de algumas habilidades a serem executadas pelo terapeuta: escutar com profundidade, nomear adequadamente, proporcionar espaços, ser suficientemente bom, desafiar, proteger, encorajar e abençoar.

O rio da vida corre através de cada um de nós, trazendo-nos cada experiência que a humanidade conhece.
– Gilligan – 2001, p.137

Escutar com profundidade
Esta é uma das habilidades básicas de qualquer terapeuta. Escutar com profundidade requer uma escuta com uma atenção essencial. A atenção essencial é aquela que se encontra flutuante, interessada na fala objetiva do cliente porém, atenta àquilo que ele não quer te dizer. É manter uma escuta disciplinada, porém delicada e precisa.

É necessário que o terapeuta ao escutar a fala do cliente, reconheça essa fala, mas “deixa ir” em busca de uma falha, de um lapso, de uma identidade complementar, de uma criança ferida que existe dentro de cada um. O desafio é ajudar o cliente a nomear um problema que normalmente não tem nome, é escutar com uma profundidade respeitosa e, então lhe trazer a benção e o apadrinhamento para que alcancem as mudanças necessárias.

Em uma escuta profunda é importante a ligação não verbal com o cliente, isto é, um silêncio receptivo, deixar transparecer ao cliente proteção e confiança, para que possa se abrir para além de si mesmo. Nomear adequadamente.
Para Erickson, a neurose provém da falta de habilidade das pessoas em falar diretamente. Nomear adequadamente uma experiência não é classifica-la cientificamente ou mesma rotula-la, mas sim apreendê-la, apadrinha-la com a presença humana de uma forma ética, respeitosa e essencialmente amorosa.

Proporcionando espaços
O que chamamos de proporcionar espaços nada mais é que abrir o ângulo de visão das pessoas, para que possam entrar em contato seus recursos, suas habilidades, suas potencialidades. Abrir um espaço para que a vida humana dentro de cada um de nós possa existir e se desenvolver.

Muitas vezes as pessoas não se mostram capazes de reconhecer, sustentar ou permanecer em contato com certas experiências que envolvem medo, desejo, raiva entre outras. Estas experiências aprisionam as pessoas em círculos viciosos, ficam soltas gerando angústia. O Apadrinhamento deverá proporcionar espaços para que estas experiências se esvaziem, abrindo outros espaços para que as partes saudáveis e verdadeiras das pessoas cresçam, vivam. Pois todas as vezes que abrimos espaços a uma experiência ela se modificará.

O terapeuta suficientemente bom
Como já foi explicado anteriormente, o terapeuta suficientemente bom é aquele que se adapta as necessidades de equilíbrio do cliente e, posteriormente trabalha os sintomas, as questões pessoais e existenciais. O primeiro passo é estabelecer um espaço transicional, livre de conflito entre terapeuta e cliente, onde se ancorarão todos os processos de mudança e, gradativamente, ir se afastando permitindo que o cliente ganhe cada vez mais autonomia. Portanto, o Apadrinhamento é essencial para produzir o sentimento de equilíbrio, de estabilidade, promovendo um espaço transicional que servirá de ancora para todo o processo terapêutico.

Desafiar, proteger, encorajar e abençoar
Na vida não podemos evitar experiências como medo, alegria, mágoas, raiva, tristeza, inveja, entre outras. Existem pessoas que passam a vida fugindo, amaldiçoando estes sentimentos ou experiências. Aceita-las e trabalha-las é condição essencial de uma boa saúde mental. O trabalho de Apadrinhamento bem feito deverá permitir que as pessoas entrem em contato com estas experiências, que se humanizem.

Deve-se ser receptivo e proteger o cliente em qualquer início terapêutico. Todas as pessoas que se sentem seguras, protegidas e acolhidas baixam a guarda, permitem a entrada amorosa do outro. Não só na Hipnose Estratégica, mas em qualquer procedimento terapêutico é essencial esta premissa. É como a mãe suficientemente boa que se adapta as necessidades básicas do bebê.

Encorajar e desafiar são as chaves mestras de qualquer processo terapêutico. Depois que o terapeuta cria o espaço de receptividade e proteção, existe uma pergunta básica que todos nós devemos fazer: Quem é você? Esta é bem mais que uma pergunta objetiva e simples. Estamos contextualizando, inserindo que o cliente é algo além do problema ou do sintoma apresentado. Estaremos encorajando o cliente a perceber que ele está prestes a realizar alguma coisa muito importante para ele mesmo. Estaremos desafiando-o a abrir um espaço para que os sentimentos, emoções, experiências únicas e verdadeiras se abram dentro dele. Isto tudo realizado por uma pergunta simples, mas sustentadas pelo silêncio amoroso do terapeuta.

“A habilidade de sustentar uma pergunta leva a habilidade de receber uma reposta” (GILLIGAN,1997, p. 149) Todas as pessoas necessitam de reconhecimento na vida, assim como os sentimentos e experiências também necessitam de reconhecimento. O que chamamos de abençoar, nada mais é do que o reconhecimento dos sentimentos, das emoções, das experiências vividas pelas pessoas. É como se pudéssemos com um simples reconhecimento apadrinhar existencialmente uma experiência. O reconhecimento de um sentimento ou de uma experiência proporciona que ela alcance algo humano e que abandone o caráter estigmatizado do sintoma.

Bibliografia

FREUD, S . -Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud – Vol. XVIII – Rio de Janeiro – Imago -1976.
GILLIGAN, S – Coragem de Amar – Belo Horizonte – Caminhos – 2001.
WINNICOTT, D. W. – O Brincar e a Realidade -Rio de Janeiro – Imago – 1975.

mais artigos de Gastão Ribeiro

 

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